Maria Rita: a voz com arco e flecha...

Viajar dentro de nós...



"A dor é uma estrada: você anda por ela, no adiante da sua lonjura, para chegar a um outro lado. E esse lado é uma parte de nós que não conhecemos. Eu já viajei muito dentro de mim."


Mia Couto, in "Estórias Abensonhadas"

"The winding road", fotografia de Kristina Skatun: http://www.photoforum.ru/

Chico Buarque: o construtor de utopias

Lembrar o esquecimento...


"Às vezes a memória não é boa companheira. É preciso saber esquecer rapidamente."

in "Encontro de Amor num País em Guerra", de Luís Sepúlveda, Edições ASA
Fotografia de Nadya Kulagina, intitulada "To Forget Eveything"

Escrever na areia...

"Reconheci quanto havia de panaceia nas nossas doutrinas revolucionárias. A igualdade social há-de acabar por ser o nome duma constelação, a menos que o mundo dos oprimidos se não levante num ímpeto unânime, miraculosamente explosivo, e que para ser eficaz terá de ser consciente. E nestes termos, quando? A máquina, é certo, pode aliviar o escravo; remi-lo nunca. Estou em crer que o homem é fundamentalmente mau e que a luta de princípios não passa dum longo e fátuo escrever na areia. Oxalá me engane!"

Aquilino Ribeiro, in "Andam Faunos pelos Bosques"

Fotografia de Igor Kraquljac, denominada "Sand": http://www.photoforum.ru

Caetano Veloso: trazes contigo a terra inteira....

Alguém a quem tocar...


"Estava contente. Tinha um encontro para aquela noite. Alguém a quem tocar, ver, falar. Esquecer a morte, pão de cada dia. (...)

Havia muitos meses que não abraçava um corpo morno, um corpo macio, alguém que fizesse perguntas, alguém que respondesse às minhas. Era tempo a mais sem dar nem receber um pouco de ternura. O tempo justo para uma pessoa se transformar num animal no meio da guerra."


Excerto de "Encontro de amor num país em guerra", de Luís Sepúlveda, Edições Asa, 2002
Fotografia de Vertal, intitulada "Meeting", disponível aqui: http://www.photoforum.ru

Eras tu a claridade...


"o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade."

"O tempo, subitamente solto", poema de José Luís Peixoto
Fotografia de Makarov Igor, denominada "Silhouette" - http://www.photoforum.ru/

Sementes de solidão


"A solidão é um dos problemas mais duros e mais cruéis que está na base de toda a problemática do abandono, da rejeição, da impossibilidade de realização, no isolamento físico e espiritual, de todas as frustrações sociais, sentimentais ou profissionais. Há solidão nas crianças e nos adultos, nos homens e nas mulheres, nos novos e nos velhos. Ama-se, mente-se, luta-se, trai-se, as pessoas vendem-se e compram-se, para não ficarem sós."

Madalena Caixeiro, in ‘Sementes de Só, Raízes de Mim’ *
* Post dedicado a uma professora que, antes de o ser, soube ser uma amiga inesquecível...
Fotografia de Anastasia Kruzhilina, intitulada "Loneliness", in http://www.photoforum.ru

A casa dos amantes



Pedra a pedra

Os amantes
desvendam
na respiração
do corpo
todas as
nascentes

São deles
as chaves
de todas
as casas

São deles
as claves
de todas
as asas

Tijolo a tijolo

Eles alinham
a nudez
pelo fio
de prumo
do estio

Passo a passo

Eles cavam
na terra argilosa
os alicerces
da música
do fogo

Laje a laje

Como se o tempo
tivesse sido
condensado
numa argamassa
de sangue e suor


V. Solteiro, 26.09.07

Derivação em tom menor do fabuloso poema de Joaquim Pessoa, inserto no blog de Dalaila (post de dia 26.09.07), http://www.farolnoventodonorte.blogspot.com/
Fotografia de Greg Summers intitulada "Lovers": www.photoforum.ru

Arquitectura de intimidades


"As palavras não foram exiladas pelo império das imagens, bem pelo contrário: a abundância de imagens faz-nos reavaliar e, na melhor das hipóteses, revalorizar o labor das palavras. As palavras podem desempenhar uma arquitectura de intimidades."


João Lopes, jornalista e crítico cinematográfico

Foto de A. Tatyana A., denominada "Intimacy": www.photoforum.ru

Construímos um lugar de silêncio...


"Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão."


"Aos amigos", poema de Herberto Helder
retirado de http://www.astormentas.com/
Fotografia de F. Monteiro, intitulada "Friends", disponível aqui: www.photoforum.ru

O país das sombras



"Aqui, no país da sombra, da saudade da vida, as criaturas sofrem a dor da sua imperfeição."

Teixeira de Pascoaes, poeta e escritor


Foto de Evgeny Osov-Fink, denominada "Two Worlds, two shadows", disponível aqui:

Ser (o) outro...

"Esta necessidade, esta tentativa de ser outro – não só de compreender o outro, mas sim de ser outro – é a parte mais importante da minha vida."

Amos Oz, escritor israelita
Foto de Sílvia Antunes, intitulada "Friends", disponível aqui: http://www.photoforum.ru

O outono despe as palavras...


"Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no Outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. É outono
A pouco e pouco despem-se as palavras."


"Outono", poema de Joaquim Pessoa

Poema retirado daqui: http://www.astormentas.com/

Fotografia de Mary Waters, intitulada "Autumn Potpourri" disponível aqui: http://www.photofroum.ru

Uma viagem intemporal



(A José Gomes Ferreira, poeta com letra grande
e pensamentos de nuvens...)


Não digo nada
de novo

De novo
nada trago comigo

Apenas este ferrugento
comboio de nuvens
atrelado à locomotiva
da realidade

Vacilo
Descarrilo
Insisto
Resisto

Esta é a trilha
ferroviária
da nossa viagem
solitária

(Carris onde se forja
uma fibra de aço!)


V. Solteiro, 22.09.07


Foto de C. King denominada "First Light, First Train", disponível aqui: www.photoforum.ru

A cultura do mal

"Cada época, cada cultura, cada tradição tem o seu tom. Tem as suas doçuras e as atrocidades que lhe convêm. Aceita certos sofrimentos como naturais, acomoda-se pacientemente a certos males. A vida humana só se torna num verdadeiro sofrimento, num verdadeiro inferno quando se cruzam duas épocas, duas culturas, duas religiões."

Herman Hesse, escritor, in ‘O Lobo da Estepe’


"Life", fotografia de Svetoslav Apostolov, retirada daqui: http://www.photoforum.ru

Ana Moura: os búzios nascem da voz...

PAZ!



"Onde encontro a paz? ...
Pergunto-me a todo instante.
Procurei-a há tempos idos
Num lugarejo distante...
Procurei-a num largo anfiteatro
E ainda não achei...
Procurei-a, desta vez, num circo
E também não encontrei...
Então pensei: Está no lar!...
Mas também lá não estava.
E pus-me novamente a buscá-la
Nos canteiros floridos, no pôr-do-sol,
Em todas as maravilhas do Universo
E nada consegui encontrar...
Um dia, embaraçada com tanta busca,
Perdi-me dentro de mim
E... Qual não foi a minha surpresa!
Lá estava ela...
A sorrir."


Nota: "Paz", poema de Amélia Rodrigues, foi retirado daqui: www.astormentas.com . Foto de Jamie Osher, intitulada "At Peace", disponível aqui: http://www.photoforum.ru/

Para saber mais sobre a escritora e poetisa:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Amélia_Rodrigues
http://www.secrel.com.br/JPOESIA/amel.html

A Fenda



Sequiosa
de gelo e fogo
a ferida
liquefez-se
em sangue
do luar

Fustigados
pela neve
os lábios
fundiram-se
num apelo
lancinante

Um rio
infiltrou-se
entre os
seus altivos
muros
e galgou
todos os
diques
da injustiça


Proscrita
a sua face
cicatrizou
o medo
e a Paz
voltou a florir
pelos interstícios
da fenda




V. Solteiro, 20.09.07

Nota: palavrinhas alinhadas a partir do poema e do post de 19.09.07 intitulado "Férida Ávida", publicado no blog ContorNUS - http://contornus.blogspot.com/

Foto intitulada "Torghatten", de Jens-Chr Strandos, disponível aqui: http://www.photoforum.ru/

Os ossos da dor...

"A tristeza me doía como se fora uma doença caranguejando em meus ossos."

Mia Couto, escritor, in "Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos", Editorial Caminho, 2001
"Nightfall and sadness", foto de Aykan Ozener, disponível aqui: http://www.photoforum.ru/

Olhos tristes



"Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém."


"Senhora, Partem Tam Tristes", poema de João Roiz de Castel-Branco, Século XV
"Sad Eyes", foto de Carla Rosa, disponível aqui: http://www.photoforum.ru/

Ao sul...

Geo-grafias



Ao fundo
naquela nesga de terra
a arder de oiro e trigo
os montes são ondas
a espraiar-se
pelo areal do teu peito

É nesse torrão povoado
de sobro zimbro e azinho
que as espigas
desfraldam
as suas velas ao vento

É nesse cadinho semeado
pela alvura do adobe e da cal
que a cigarra e a abetarda
lavram as suas coordenadas

Além-Tejo

É esta a geo-grafia
do cante



V. Solteiro, 19.09.07
"Alentejo", Foto de António Vieira disponível aqui: http://www.photoforum.ru/

A alegria e a infinita tristeza...


"Alguns dizem:
- A alegria é maior que a tristeza.
Outros afirmam:
- Não, a tristeza é maior.

(...)

Vêm juntas
e quando uma se senta
a sós convosco à vossa mesa
lembrai-vos que a outra
dorme na vossa cama."

Khalil Gibran, in "O Profeta"
Foto de Dmitry Vyazensky, intitulada "Infinite Sadness of fading", retirada daqui: http://www.photoforum.ru/

Caminho...



Não olhes
para os pés
que se arrastam
pela poeira
dos dias

Não olhes

O teu chão
é feito
de asas


V. Solteiro, 18.09.07
Foto de Andreia Gomes, intitulada "Bro' s Angel Eyes", retirada daqui: http://www.photoforum.ru/

Cristal



A voz
dos cristais
ecoa
sibilina
nas arestas
da montanha

O seu canto
translúcido
reverbera
uma nova chama
à brancura
da neve


V. Solteiro, 17.09.07

Notas: A jugular deste canto está efervescente no post de 16 de Setembro ("Ouço a neve cantar") do blog de Maat, http://vivaosol.blogspot.com/ .Foto de Maria José Ramôa, intitulada "Bola de Cristal", retirada daqui: http://olhares.aeiou.pt/

Os degraus do Ser



A arquitectura
das asas
são casas
erguidas
aos braços
do sol

É nas articulações
desse voo
que se estrutura
o corpo dos pássaros

É na morfologia
rugosa da terra
que se aglomera
a perenidade
dos actos humanos

São ténues
as membranas
que interpenetram
esses dois espaços
entre jogos de
luz e sombra

É nos alicerces
dessa construção
indefinida
e inacabada
que se deposita
a argamassa
do futuro

E se solidificam
com fibra e cal
os degraus
do Ser


V. Solteiro, 16.09.07


Escarnecem do teu suor...



"'Com o suor do teu rosto ganharás o teu pão', escreveram no teu berço.
Dormiste, respiraste e, um dia,
escarneceram do suor do teu rosto.


É hoje, quando tu, filho de Europa,
expulso da seara do teu trigo,
em todos os muros vês escrito
que o suor é vão, e o teu rosto negado."


Poema sem título, de Fiama Hasse Pais Brandão, in "Cenas Vivas"; Relógio d' Água, 2000



As folhas caminham vo(g)ando...



Vogando
pela estrada
fora
as folhas
caminham
voando

De mãos dadas
com o infinito

Que esquissos
desenham no
seu voo
voluptuoso?

Que buscam elas
nas suas danças
de plumas
caprichosas?


Talvez um
renovado
chão
que alimente o
tronco
cujos ramos
frementes
suspiram
de novo
pelo beijo
do vento
outonal


V. Solteiro, 15.09.07


Nota: palavrinhas alinhavadas depois do visionamento do post "Caminho de folhas", publicado por Dalaila, no Farol no Vento do Norte - http://farolnoventodonorte.blogspot.com/
Fotografia de Kelly Barreto

O que não entra na história...

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."


"Quadrilha", poema de Carlos Drummond de Andrade, Itabira, Minas Gerais, 1902-1987
Pintura de Marc Chagall retirada daqui: http://www.bertc.com/

A marcha Almadanim!



"Nos domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.


Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os camponeses de vir á vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve
o burrro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.


Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor...
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar...)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!


Entretanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
- que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.


Mas Zé Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!


Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medidno chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!"



"Mataram a Tuna", poema de Manuel da Fonseca, Santiago do Cacém, 1911-1993

Mãe



"De noite
ouvi barulho
na cozinha.

Levantei-me.

Fui ver.

A mãe passava a ferro
os calções que eu devia
levar à escola.

Sentada, mal podia
com o ferro. Longe
um galo nos dizia "o dia aí vai".

Esfrego os olhos estremunhado.

E a mãe:

- O que é, filho? Cuidado
não acordes o pai."


"Mãe", poema de Mário Castrim, Ílhavo, 1920-2002

O (im)possível


"Somente o homem
Pode o impossível:
Só ele distingue,
Escolhe e julga;
E pode ao instante
dar duração"


Excerto de "O Divino", poema de Goethe, Frankfurt am Main, 1749-1832
Pintura intitulada "Goethe na Campagna" da autoria de Tischbein retirada daqui:

O tempo construído...



"Quem amamos nasce antes de haver o tempo"

Mia Couto, in "Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos", Editora Caminho, 2001

Vendedora de sonho e maresia...




"É varina, usa chinela,
tem movimentos de gata.
Na canastra, a caravela;
no coração, a fragata.

Em vez de corvos, no xaile
gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
baila no baile coo mar.

É de conchas o vestido;
tem algas na cabeleira;
e nas veias o latido
do motor de uma traineira.

Vende sonho e maresia,
tempestades apregoa.
Seu nome próprio, Maria.
Seu apelido, Lisboa."


"Maria Lisboa", poema de David Mourão-Ferreira, Lisboa, 1927-1996

Pintura de Eduardo Alarcão intitulada "Maria Lisboa":

Arrepiar o coração...





"Diante do amor
ela arrepiou o coração:
não tenho asas para tanto paraíso!"


Mia Couto, na introdução ao seu livro "Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos"


A pele azul do céu...

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"Desta vez deixai-me
ser feliz,
não aconteceu nada a ninguém,
não estou em nenhum sítio,
acontece somente
que sou feliz,
de coração pleno, quer
andando, dormindo ou escrevendo.
Que hei-de eu fazer, sou
feliz,
sou mais vasto
do que a erva
nas planícies,
sinto a pele como uma árvore rugosa,
a água em baixo,
os pássaros em cima,
o mar como um anel
à roda da minha cintura,
a terra feita de pão e de pedra
e o ar cantando como uma guitarra.
Ao meu lado na areia
tu és areia,
cantas e és canto,
o mundo
é hoje a minha alma,
canto e areia,
o mundo
é hoje a tua boca,
deixa-me
ser feliz
na tua boca e na areia,
ser feliz porque se eu respiro
é a ti que o devo,
ser feliz porque acaricio
os teus joelhos
e é como se acariciasse
a pele azul do céu
e a sua frescura.
Hoje deixai-me
ser feliz
sozinho,
com todos e ninguém,
ser feliz
com a erva
e a areia,
ser feliz
com o ar e a terra,
ser feliz,
contigo, com a tua boca,
ser feliz."


"Ode ao dia feliz", poema de Pablo Neruda (Parral, Chile, 1904-1973), tradução de Luís Pignatelli

Vinícius de Moraes: as palavras respiram...

Uma música que seja...



"Uma música que seja...como os mais belos harmónicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma recta ascendente para o infinito. Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais. Uma música que seja como o voo de uma gaivota numa aurora de novos sons."

Vinícius de Moraes

O rosto da paisagem


"Uma paisagem é como um rosto, um sorriso, um afecto. É um fascínio que nos percorre, uma música que, como dizia Vinicius de Moraes falando de outras aleluias, não tem princípio nem fim. São mil tonalidades, a surpresa em cada olhar, a descoberta única de um território feito para sonhar infinitos horizontes. É uma tarde mansa, de luz coada. Olho uma vez, e outra, e outra, receio que o milagre subitamente se extinga, e repito para mim, em voz alta, os versos de Ramos Rosa: ‘Estou vivo e escrevo sol’."

Fernando Paulouro das Neves, In ‘Jornal do Fundão’

Aquilo que nos separa é aquilo que nos une...



"O problema são os preconceitos e as ideias pré-concebidas. O meu filme [Babel] não trata daquilo que nos separa, mas daquilo que nos une.
Basta que se veja aquilo que acontece na fronteira americana-mexicana. Esse é o problema: vemos sempre o outro como uma ameaça. E hoje, ser diferente significa ser perigoso."

Alexandro Gonzalés Iñarritu, realizador mexicano de filmes como "Amor Cão", "21 Gramas" e "Babel", in Jornal de Notícias, 24.05.2006